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segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Uma educação do indivíduo inteiro para um mundo unificado.

Claudio Naranjo

“Quase toda educação tem uma motivação política: propõe-se a fortalecer algum grupo, nacional, religioso ou social na competição com outros grupos. É esta motivação o que principalmente determina que matérias são ensinadas, que conhecimento é oferecido e que conhecimento é ocultado e que determina ademais que hábitos mentais se espera que os pupilos cultivem. Praticamente nada se faz em função do desenvolvimento interior da mente e do espírito; com efeito, aqueles que receberam mais educação sofreram com freqüência uma atrofia mental e espiritual.”
Bertrand Russel, em Grace Llewelyn, Op. cit.

“Mais vale pouco conhecimento de coisas superiores do que muito conhecimento de coisas inferiores.”
Tomás de Aquino

Fala-se muito hoje em dia de uma “mudança de paradigma” na ciência e, mais geralmente, no modo de compreender o mundo e o ser humano. Qual é esse novo paradigma, que invocam tanto a nova física como a psicologia contemporânea, e como, de um modo mais ou menos implícito, está afetando praticamente todos os campos do saber e do fazer?

Podemos chamá-lo “holismo” ou “integralismo”: um enfoque centrado no todo. Esta é a perspectiva que subjaz a inspirações tão diversas como a teoria geral de sistemas, o enfoque sistêmico da ciência da administração e a gestão de empresas, o estruturalismo, e a psicologia da forma. A característica mais chamativa de nossa época é uma nova maneira de conceber as estruturas, a organização, a inter-relação das partes em um todo. A vida e o universo se nos
apresentam hoje em dia como meta-estruturas evolutivas.
Há uns dois mil e quinhentos anos, o Buda contava a história de alguns cegos que faziam uma idéia do que era um elefante tocando-o. Assim, um o comparava a uma palmeira, outro a uma corda, outro a um leque, etc., segundo suas mãos exploravam uma pata, o rabo, uma orelha, ou outras partes do animal. Esta história, adotada mais tarde pelos sufís, tornou-se particularmente popular hoje em dia e com razão, pois, expressa o florescimento no espírito de nosso tempo de uma compreensão cada vez mais generalizada de que o todo é, efetivamente, algo além da soma de suas diversas partes.

Esta mudança de perspectiva sobre o mundo é, sem dúvida, reflexo de um processo vivo: se no âmbito intelectual estamos em uma época de holismo, em termos mais gerais pode-se dizer que estamos numa era de síntese. Não só nos tornamos mais interdisciplinares, mais ecumênicos, mais interculturais, mas também, cada vez mais, vamos sentindo a necessidade de nos tornarmos pessoas completas em um mundo unificado.

A educação holística, como o enfoque holístico da realidade em geral, é parte dessa tendência sintetizadora que está em marcha. Foi Rousseau, pai do romantismo e avô da revolução francesa, o primeiro a chamar a atenção sobre a importância capital da educação dos sentimentos. Em seguida outros, como Dewey, Maria Montessori e Piaget, puseram a ênfase na aprendizagem através da ação. Por outro lado Steiner e as Escolas Waldorf, nascidas de sua
obra, insistem no desenvolvimento da intuição e no que agora chamamos educação transpessoal. Mais recentemente, o Movimento do Potencial Humano induziu a experimentação na educação do “âmbito afetivo”. A Educação Holística se propõe a reunir todas essas vozes dispersas, como projeto que pretenderia abarcar a  totalidade do indivíduo: corpo, emoções, intelecto e espírito.

Apesar de poder chamar-se holística no sentido de pretender educar a pessoa inteira, creio que a educação deveria ser holística também em outros aspectos: por exemplo, por perseguir uma integração dos conhecimentos, por seu interesse a integração intercultural, por sua visão planetária das coisas, por seu equilíbrio entre teoria e prática, por colocar a atenção tanto no futuro como no passado e no presente. Um assunto particularmente crítico há de ser, naturalmente, o equilíbrio dos aspectos “paternos”, maternos” e “filiais” do indivíduo. Por isso inclino-me a falar de “educação integral” em referência ao holismo educacional que está surgindo, e ao que pessoalmente me vinculo.

Enquanto nos EUA as coisas foram evoluindo desde a “revolução da consciência” até o conservadorismo crescente da década de oitenta, a idéia de uma educação integrativa e compreensiva pode deparar-se com a pergunta de se acaso isto não constitui um luxo. Sem referir-se especificamente à educação, por exemplo, Yankelevich escreveu em seu livro, publicado recentemente, New Rules, que a situação mundial está se tornando tão crítica e a situação individual vai tornar-se tão difícil, que já não é tempo de continuar buscando a “autorealização”. Os dias do Movimento do Potencial Humano, segundo ele, devem ser considerados como coisa do passado, como reflexo da situação da abundância transitória que existia quando surgiu.

Creio que devemos nos guardar de semelhante ponto de vista, que não é mais que uma regressão à atitude excessivamente prática e “realista” que está na origem da problemática atual.
É precisamente a urgência dos problemas com os quais nos vemos hoje em dia confrontados como espécie, o que converte em imperativo, e não em um luxo, o acometer sob um novo enfoque a tarefa educativa. Como dizem Botkin e outros em seu Informe ao Clube de Roma No Limits to Learning1:

“Depois de uma década discutindo temas gerais, alguns sinais de mudança se fazem notar nos debates. A maioria dos participantes em extensas conferências centradas em propor novos modelos de construção do mundo sentiu que faltava nos diálogos um elementar sentido crítico. A preocupação pelo aspecto material da problemática mundial havia diminuído efetividade nas considerações. Agora se faz evidente uma nova preocupação: a de voltar a colocar o ser humano no centro dessa problemática. Isto supõe uma mudança, no sentido de deixar de considerar os problemas globais como manifestações de problemas físicos de sobrevivência material (Life Support Sistem), para começar a aceitar a importância proeminente do aspecto humano de tais problemas”.

Estes escritores falam da “brecha” (Human Gap) com a qual se vê enfrentado o ser humano – a distância entre a crescente complexidade dos problemas e sua capacidade para lhes fazer frente – e acreditam que essa brecha pode ser preenchida utilizando-se como ponte a aprendizagem:

“A aprendizagem, neste sentido, vai além de ser um tema geral a mais. O fracasso neste campo constitui atualmente, de um modo fundamental, o tema central da problemática mundial. Em resumo, aprender se converteu em um assunto de vida ou morte.”

Eu prefiro, pessoalmente, insistir no “desenvolvimento” e dizer que continuamos como lagartas, recusando-nos a nos convertermos em borboletas, acabaremos destruindo nosso meio ambiente e devorando-nos uns aos outros. Falando de outro modo, não podemos nos permitir continuar deixando de lado, como mera possibilidade, essa transformação do ser humano que se deu de fato em outras épocas. O que em outros tempos foi só destino de uns poucos e pode parecer um luxo no passado, agora se apresenta com características de urgência coletiva. Hoje[1] em dia o crescimento do poder de que pode dispor o ser humano amplifica os efeitos das falhas que comete em seu exercício, e as conseqüências resultam inevitáveis para uma população que ameaça superar os limites da capacidade do planeta. Em tudo isto, não podemos deixar de ver a expressão de uma psique desenvolvida só de um modo muito incompleto.

A psicologia do ser humano ordinário – a psicologia que tenderíamos a chamar “normal” – é, psicanaliticamente falando, regressiva. Sob a capa de pseudo-abundância que mostramos ao mundo, e com a qual talvez nos identifiquemos, nossa motivação brota geralmente do que nos falta: somos cobiçosos, sentimo-nos insatisfeitos, dependentes. Em outro tempo, nos tempos de nossos antepassados Cromagnon, éramos canibais, porém a julgar pela marcha dos assuntos internacionais continuamos sendo implicitamente. Os gastos militares do mundo em 1979 excederam a quantidade de bilhões de dólares por dia, e em anos posteriores, em que a escassez e a superpopulação se tornaram mais ameaçadoras, não fizeram mais que aumentar. Isto seria necessário se não fôssemos a nível inconsciente uma sociedade paranóide e
canibalística? Não seria razoável dedicar esta soma a um programa de restauração da terra, que incluísse como mais urgentes as necessidades de atenção ecológica e de desenvolvimento da consciência?

Nossa vida coletiva, já na aurora da pré-história, conheceu metas que estimularam nossos antepassados a evoluir, porém também traumas que nos precipitaram em um “abismo” de patologia psicossocial. A motivação carencial – e a conseqüente exploração do próximo, da natureza e de si mesmos que dela se deriva – perpetuou-se por contágio, infectando uma geração após a outra, o psiquismo dos seres humanos que nos precederam, de modo que atualmente nos vemos empurrados por ela para um iminente naufrágio, do qual só poderemos nos salvar se soubermos nadar, e utilizo a metáfora de “nadar” para nomear a nova consciência capaz de nos deslocar “daqui” para ”lá”, do condicionamento milenar e obsoleto de que estamos padecendo, frente a uma nova ordem mundial.

Longe de constituir um luxo, uma nova educação – uma educação da pessoa inteira para
um mundo total – é uma necessidade urgente, e é também nossa maior esperança: todos os nossos problemas se simplificariam enormemente só com o poder alcançar uma verdadeira saúde mental, já que esta traz consigo uma autêntica capacidade de amar. Como dizia Krishnamurti há
anos atrás, “a paz individual é a base sobre a qual se assenta a paz do mundo”.

Hoje, no entanto, vive a maior parte das pessoas que formaram parte de uma geração de buscadores talvez só comparável à daqueles que conheceram os primeiros tempos do cristianismo ou o surgimento de outras grandes religiões. Este fenômeno cultural, que explodiu nos Estados Unidos há uns trinta anos, atravessou um período de expansão entusiasta e outro de apagamento desencantado, e isto reflete a estrutura de um processo psicológico. Passado todo aquele bem conhecido entusiasmo ao iniciar o caminho, quando parecia que logo o mundo inteiro estaria transformado, uma fração considerável daquela juventude norte-americana avançou até a igualmente bem conhecida etapa de dar-se conta que – como Gurdjieff costumava
dizer – “no começo são rosas, rosas, rosas; em seguida, espinhos, espinhos, espinhos”. Toda uma geração, praticamente falando, embarcou naquela busca; não obstante, até agora não temos visto como resultado uma sociedade transformada, mas somente um punhado de aprendizes de bruxo em diversos graus de desenvolvimento: indivíduos só aparentemente transformados, que têm alguma contribuição a dar a partir de sua experiência e que agora sabem que a viagem é muito mais dura e longa do que haviam pensado.

Se for tão difícil transformar um adulto, pode resultar mais proveitoso começar com os jovens. Se pensarmos em termos de uma perspectiva global, tendo em conta as necessidades mais vitais que nos acossam como habitantes desta terra, a educação, e em particular toda ajuda que possa ser prestada ao crescimento dos indivíduos humanos durante sua etapa de maior plasticidade, sobressai dentre todas as estratégias possíveis como a mais adequada para poder intervir conscientemente em nossa própria transformação evolutiva. Certamente, é também a mais econômica, em um tempo onde o fator econômico é crucial.

Hitler descobriu, em seu momento, que controlando a educação podia controlar a sociedade. Poderíamos resgatar a verdade que se esconde nesta percepção, assentando-a sobre uma base verdadeira, pois não é através de um “controle” que poderemos alcançar o fim que perseguimos, mas através de atitudes de atenção, habilidade e afeto, e mais que nada pela qualidade do próprio ser. Somente dotando os jovens da possibilidade de converterem-se em seres humanos completos podemos esperar um mundo melhor. Se temos que “controlar” a educação, necessitamos entender que este controle deve colocar-se a serviço da liberação dos indivíduos – na realidade, seria um contra-controle.

Para muitos de nós é familiar o slogan: “Formar os homens que a pátria necessita”. Se atentarmos ao sentido implícito desta expressão, formação aqui vem a ser sinônimo de socialização em termos gerais, quer dizer, educação concebida como veículo de condicionamento social. Porém se falamos de formar homens que o mundo necessita, devemos admitir que então, necessariamente, não se tratará de educar a partir e para o conformismo, mas para a liberdade e autonomia, pois um “mundo” verdadeiro só será possível se contar com autênticos indivíduos.

Escrevendo depois de Darwin, Herbert Spencer comparava a sociedade a um organismo – idéia que geralmente deixaram de lado os sociólogos posteriores. Realmente, nossa sociedade dista muito de ser um organismo, e nisto temos avançado menos que as abelhas e as formigas.
Uma sociedade que fosse com respeito ao indivíduo o que o cérebro é para as células que o constituem, teria que cimentar-se na existência de seres humanos maduros, isto é, seres integrados e em vias de auto-realização, e não essa espécie de robôs humanóides que a partir de sua cegueira e outros males fomenta nossa sociedade. Pode-se dizer que uma educação orientada para o indivíduo inteiro está por si só orientada para uma totalidade mais vasta, é “uma educação para um mundo unificado”, e quis pôr em relevo esta idéia incluindo-a no título deste capítulo. Em primeiro lugar para sublinhar a tese de que “uma educação da pessoa inteira é uma educação para o mundo total”, e também pelo quão saudável pode resultar o acentuar especificamente a finalidade metapessoal. Além disso, esta é uma idéia inspiradora: se nos tornamos conscientes do quanto necessitamos de uma educação orientada para a paz e para a unidade mundial, talvez essa consciência possa suscitar a capacidade de contribuição criativa correspondente a esta finalidade. Um indivíduo não pode verdadeiramente considerar-se completo se carece de uma visão global do mundo, se não possui um sentimento de irmandade. Necessitamos uma educação que leve o indivíduo até este ponto de maturidade e no qual, elevando-se acima da perspectiva isolada do próprio eu e da mentalidade tribal, alcance um sentido comunitário plenamente desenvolvido e uma perspectiva planetária. Necessitamos uma educação do eu como parte da humanidade, uma educação do sentimento de humanidade.

O despertar espiritual que forma parte de nosso destino potencial não supõe somente o nascimento do “eu”, mas também o parto do “tu”. O nascimento do Ser supõe o nascimento do eu-tu, o dar a luz do sentido do “nós”.

Como a educação pode contribuir para criar o sentido do nós? Não somente através de uma atitude distante de todo o bairrismo e aberta para uma visão universal das coisas, mas, antes de tudo e sobretudo, por meio de uma capacitada aplicação de técnicas de liderança comunitária, isto é, prestando uma assessoria experimentada acerca dos processos de formação de grupos no verdadeiro sentido da expressão.

Para Carl Rogers, os grupos são possivelmente o invento mais significativo do presente século. O futuro dirá. Porém em todo caso, constituem um recurso muito importante, e creio que todo educador deveria adquirir um repertório de habilidades que incluem, entre outras, a capacidade de facilitar uma comunicação sincera entre seus alunos – responsabilizando-se por suas conseqüências -, a  capacidade de reconhecer e expressar as próprias percepções, tanto de si mesmo como dos outros, e a de desenvolver sua própria empatia e manter-se afastado dos jogos do ego. Este processo não deveria, entretanto, limitar-se à celebração de grupos de encontro ou outros de índole semelhante, mas constituir melhor o contexto de uma situação educativa. Existem duas classes de grupo que por representar outras tantas formas poderosas de atividade comunitária quero sublinhar especialmente. Um é o grupo de tarefas, que oferece uma situação ideal para a aprendizagem do trabalho em colaboração assim como para desenvolver a consciência de tudo o que a dificulta. O outro, os grupos de tomadas de decisões, que além de oferecer aos participantes um claro reflexo de seu caráter, constituem talvez o instrumento mais fundamental de que dispomos em direção a uma educação para a democracia.

Ao aplicar todos esses recursos, devemos ter presente que, na situação que atravessamos, crescimento e cura são inseparáveis. Só artificialmente cabe separar o campo da educação do da psicoterapia e das disciplinas espirituais, pois realmente não existe mais que um único processo de crescimento-cura-iluminação. O tabu que se opõe à introdução da psicoterapia na educação deve ser entendido como o sintoma regressivo e defensivo que é na realidade: se continuarmos desatentos ao campo afetivo na educação, continuaremos devolvendo ao mundo indivíduos fixados em pautas infantis de conduta, sentimento e pensamento e, certamente, estaremos nos afastando do objetivo de educar as pessoas para que possam desenvolver-se em plenitude.

Depois de haver dito com tanto luxo de palavras que, em verdade, chegou a hora de pôr em prática a idéia de uma educação integral, quero agora expor, mesmo que parcialmente, qual é minha visão do que poderia ser a educação do futuro. E ao começar a fazê-lo, não posso deixar de recordar o ensaio que Aldous Huxley dedicou ao tema: “Sobre a educação de um anfíbio”. As observações e sugestões que seguem não são outra coisa que uma atualização do convite pioneiro que Huxley lançou em prol de uma educação holística há mais de trinta anos.

Não é preciso dizer que a nova educação será dirigida ao corpo e às emoções, à mente e ao espírito. Porém de que maneira e valendo-se de que instrumentos?

Com respeito à educação física, sabemos hoje em dia o suficiente para reconhecer que à parte o treinamento desportivo e outros meios de manter uma adequada forma física, existem outras formas mais sutis de trabalho corporal. É o campo do que o Dr. Thomas Hanna designou como “Novas Somatologias”. Poderíamos falar de um trabalho corporal externo e interno, seguindo a aplicação que destes termos se faz nos esportes. O novo que é preciso adicionar à educação física tradicional tem a ver com a atitude e a atenção, e, além disso, isto seria aconselhável incorporar ao currículo algumas formas de treinamento sensório-motor. Podem resultar excelentes e apropriadas, não somente certas técnicas de trabalho com base no movimento corporal, como a da “Autoconsciência pelo Movimento” de Feldenkreis, a “Eutonia” de
Gerda Alexander ou a educação psicomotora relacional, com também outros enfoques mais tradicionais como o Hatha Yoga e o Tai Chi Chuan.

Outro campo, relacionado também com a vertente física do complexo humano, e também necessitado de atenção, é o relativo ao que poderíamos chamar destrezas, seja no campo do cuidado doméstico, da arte culinária ou do artesanato em geral. Se o lado psicopatológico interfere com a capacidade de mobilização para cumprir qualquer tarefa, é claro que o cultivo de uma atitude saudável com respeito à própria atividade possui um indubitável valor terapêutico. O trabalho manual oferece também uma ocasião valiosa para desenvolver virtudes profundas como são a paciência e a capacidade de auto-satisfação, só com que se nos saiba fazer captar o valor interior que esconde qualquer forma de arte e aprendamos a usar a situação exterior para o próprio crescimento como pessoa.

Passemos agora para a educação dos sentimentos. Em primeiro lugar, temos que dizer que resultaria artificial separar demasiado a educação afetiva do que pertence à educação das relações interpessoais e, igualmente, tampouco podemos separar do todo o campo afetivo interpessoal do tema do autoconhecimento. Segundo isto, quero assinalar que tudo o que está contido sob a rubrica da educação interpessoal, chame-se autoconhecimento, auto-estudo ou autocompreensão – esse alto ideal ardentemente assumido e predicado por Sócrates -, é algo que os atuais modelos educativos marginalizam sistematicamente em tempos que contamos com recursos suficientes para fazer de outro modo. É hora de contar em nossos currículos com laboratórios de comunicação humana modernamente concebidos onde se fomente e facilite a capacidade de autocompreensão, em um contexto de conscientização interpessoal e aprendizagem comunicativa, partindo dos muitos recursos disponíveis hoje em dia, desde o exercício de livre associação que Freud introduziu, até os últimos refinamentos surgidos dentro do movimento humanístico.

Certamente, necessitamos desenvolver, se não recobrar, a capacidade de identificar os próprios sentimentos, assim como a de expressá-los de forma autêntica e adequada. Não podemos nos permitir passar desatenta a contribuição que representam as técnicas de dramatização e, mais geralmente, de expressão para o desenvolvimento da vida emocional. Também é importante neste aspecto um recurso procedente da concepção liberal da educação: o contato com o patrimônio literário e artístico do mundo inteiro, feito com o guia apropriado, constitui um legado recebido de coração a coração, assim como a ciência e a filosofia são uma herança que se transmite de mente a mente.

O mais importante que tenho a dizer, não obstante, com respeito à educação no campo afetivo, poderia ser a necessidade que temos de reconhecer que seu objetivo central é o desenvolvimento da capacidade de amar.

Não cabe a menor dúvida de que a saúde e todas as suas virtudes naturais concomitantes são inseparáveis da capacidade de amar-se a si mesmo e amar aos outros. Assim, pois, temos necessidade de uma pedagogia do amor. Contamos com informação suficiente para poder desenvolvê-la; talvez o que estava faltando era um sentido de direção e a ocasião para aplicá-la em um contexto educativo. Sabemos, por exemplo, que apesar da necessidade de proporcionar calor, compreensão e segurança psicológica, e dar também ocasião para desenvolver o sentimento comunitário, é necessário ocupar-se adequadamente da ambivalência infantil com que cresce a maioria das pessoas em nossa sociedade como resultado inevitável de ter tido como pais seres que foram tudo menos emocionalmente maduros, felizes e produtivos. O potencial amoroso do indivíduo permanece velado por seu ódio a si mesmo e por sua destrutividade, consciente ou inconsciente, coisas todas surgidas em sua mais tenra história. Liberar-se delas, como a estas alturas demonstra claramente a experiência psicoterapêutica, exige alcançar uma compreensão intuitiva mais que puramente intelectual no re-exame da própria vida, e ventilar toda a dor e frustração associadas às impressões do passado para assim poder soltá-los. Certamente, tudo isto requer normalmente um longo processo psicoterapêutico, todavia, ainda assim, hoje em dia pode ser realizado em um tempo muito mais curto do que na época dominada pela investigação psicanalítica.

Eu creio que tudo isto se deve em grande parte ao tabu existente no campo educativo com respeito ao terapêutico, assim como com respeito ao tema religioso. Estima-se que o campo educativo deve ser distinto e não deve ser invadido por estes outros campos. É uma concepção um pouco territorial, inundada na realidade por complicações compreensíveis, como as que se produzem quando uma criança começa a falar no colégio de coisas que se passam em casa. Estas não são coisas que se possam manejar a nível local, a nível do próprio colégio. Os professores, os diretores escolares, inclusive os burocratas da educação, necessitariam contar com um apoio muito mais forte para poder tomar a iniciativa de implantar na escola elementos que formam parte da metodologia – da tecnologia poderíamos dizer – de que hoje dispomos para desenvolver e/ou sanar as relações afetivas. Se a crise que padecemos é antes de tudo uma crise de relações, uma crise em relação com a capacidade amorosa do ser humano, não podemos continuar mantendo essa separação entre o terapêutico e o educativo, nem podemos continuar identificando educação com uma instrução freqüentemente irrelevante.

Talvez o recurso procedente do campo da Psicologia Humanística que mais se tentou aplicar no contexto educativo, ao menos nos Estados Unidos, foi o enfoque gestáltico (com o nome de “educação confluente”). George Brown, professor de educação no campus de Santa
Barbara da Universidade da Califórnia, e também gestaltista, conseguiu o apoio do Instituto Esalen e da Fundação Ford há mais de vinte anos, e esteve distribuindo formação gestáltica a educadores de um modo sistemático em todos estes anos, não tanto com a intenção de converter a terapia gestáltica em uma parte adicional do currículo, mas com o objetivo de dotar os professores de uma maior capacidade de aproximação experiencial da verdade, de uma maior compreensão da condição humana, e uma maior habilidade de manejar-se como pessoas frente
a outros seres humanos – tudo o que supõe estar trabalhando no terreno fronteiriço entre o terapêutico e o didático. Creio que a Gestalt merece ser recomendada como um recurso de primeira ordem pela economia que representa: um contato ainda que breve, com a Gestalt pode aumentar na pessoa este tipo de habilidades, ao desenvolver-lhe a capacidade de estar aqui e agora. A maioria das pessoas vive sob um implícito tabu que as impede de expressar o que está acontecendo no momento, de modo que quando adquire a capacidade de tornar-se mais consciente e de assumir a responsabilidade de sua experiência no aqui e no agora podem surgir mil coisas novas. Esta é uma liberação impregnada de conseqüências. Quando alguém pode interromper o que está acontecendo a nível discursivo para dizer, por exemplo, “Algo me cheira
mal”, ou “Me sinto incomodado”, “Esta situação está me aborrecendo”, deslocando assim a comunicação ao nível interpessoal, é possível superar muitos estancamentos estéreis.

Algo semelhante poder-se-ia dizer da A.T. (Análise Transacional), do Psicodrama, e de outras diversas terapias contemporâneas. Mereceriam formar parte de um mosaico ideal de experiências e contribuiriam tanto para o processo de desenvolvimento pessoal como para a formação profissional dos educadores. Porém ao sonhar com uma possível educação do futuro, quero sublinhar muito especialmente o enorme potencial que encerra para a educação um enfoque terapêutico, todavia não muito conhecido nem sequer no âmbito da terapia e que se conhece com o nome de Processo Fischer-Hoffman. Não se originou no mundo acadêmico, mas no espiritual, e lhe concedo uma singular relevância como remédio frente aos males patriarcais, pois constitui um método especificamente dirigido para conseguir a integração do “pai”, da “mãe”
e o “filho” dentro do indivíduo. Também é conhecido com o nome de “Processo da Quadrinidade”, por perseguir a harmonização do corpo, das emoções, intelecto e espírito do indivíduo. Há mais de dez anos, em um dos congressos internacionais de Gestalt realizado nos Estados Unidos, eu o recomendei como algo sumamente apropriado para a formação de gestaltistas e em geral como instrumento recomendável na formação de qualquer tipo de terapeutas. Porém creio que o principal potencial deste método está no campo educativo. Consegue com relativa facilidade plantar em pouco tempo uma semente de cura no que constitui
a especialidade deste método: o campo das relações do indivíduo com seus pais estejam estes vivos ou mortos. A idéia é a mesma do quarto mandamento, já que o desamor, a ambivalência amorosa em relação aos pais, a agressão consciente ou reprimida contra eles, perturba todas as relações da pessoa com o mundo, e é o que (para usar a linguagem psicanalítica) está por trás da “compulsão de repetição”, o transferir interminavelmente para o presente atitudes aprendidas no passado. Ao se restabelecer o vínculo amoroso com os pais (um vínculo amoroso que a maior parte das pessoas nem sequer suspeita de haver perdido) se restabelece a possibilidade de outro nível de amor por si mesmo e, por extensão, pelos demais.

Se quisesse dizer que aspecto estaria mais necessitado de reforma dentro do âmbito da educação do intelecto, seria necessário apontar para algo bem diferente de tudo quanto se revisa e se apresenta de ano para ano nos inumeráveis congressos de educação a nível nacional e mundial, e ao qual se dedicam enormes somas. Tanto nos Estados Unidos como em outros países, investem-se milhões de dólares em reformas educativas que não tratam senão de reformar o currículo, a maior parte das vezes com base em simples variações sobre os mesmos temas. O que se necessita não é tanto modificar quanto condensar de um modo significativo o currículo tradicional, com base em uma séria tarefa de seleção que apenas se começou a realizar, e implantar o que eu chamaria uma ética de economia tanto de recursos, como do tempo dos estudantes, de modo que a situação escolar possa ser usada em proveito da criança de um modo mais frutífero a partir de uma perspectiva mais atenta aos valores humanos.

Caberia esperar que com respeito à vertente cognitiva da educação, haveria menos a dizer ou fazer em prol de sua possível melhora, já que até agora a educação veio se centrando quase que exclusivamente neste aspecto. Não obstante a educação, em seu aspecto intelectual necessita ir muito mais além da mera transmissão de informação, tanto se o objetivo é compreender melhor o mundo como se o que se pretende é capacitar o indivíduo para levar a cabo tarefas especializadas.

O estender a educação além dos conteúdos cognitivos, segundo estou sugerindo, nos confronta com a necessidade de desenvolver a vertente informativa da escola de um modo muito mais eficiente do que se vem fazendo até agora, simplesmente porque haveria muito menos tempo para dedicar-se a isto. Necessitamos aproveitar ao máximo todo o potencial que encerram os puzzles e os jogos, que constituem um meio ideal para a aprendizagem precoce das matemáticas, estender toda a riqueza dos recursos audiovisuais, explorar as possibilidades dos organizadores, etc. Creio que, antes de tudo necessitamos o que se poderia chamar uma ética de brevidade: não podemos permitir sobrecarregar a capacidade de armazenamento de nossos cérebros com informações detalhadas sobre coisas ou aspectos não essenciais, mas devemos nos concentrar ao máximo em questões realmente significativas, seja com respeito à visão do mundo ou relativas à própria vocação ou preparação para o serviço no seu meio. A sede de compreensão faz parte da natureza humana e necessita alimentar-se de uma visão panorâmica do conhecimento. Seria, pois, aconselhável e sábio pôr em obra um tipo de educação que unisse um equilíbrio entre generalismo e especialização; isto é, uma educação capaz de promover habilidades específicas sobre uma base de conteúdo geral. Isto em si implicaria uma certa educação do chamado pensamento integrativo.

O que o panorama atual mostra como insuficientemente recalcado na educação tradicional é o desenvolvimento de habilidades cognitivas, como tais, mais além dos conteúdos da aprendizagem. Além de aprender, precisamos, sobretudo, aprender a aprender. Inclusive se adotamos uma atitude mais pragmática que humanista, chegamos à mesma conclusão. “A quantidade de conhecimentos que alguém adquire em uma área qualquer de conteúdo não tem relação, em geral, com um melhor desempenho da ocupação correspondente”, escreve o professor Kilpatrick no Boletim da AHHP (Architectural History and Historic Preservation Division). “A maioria das ocupações só requerem que o indivíduo esteja disposto e seja capaz... O que distingue o indivíduo eficaz no desempenho de sua função não é tanto a aquisição nem o uso de conhecimentos, mas as capacidades cognitivas desenvolvidas e exercitadas no processo de aquisição e emprego desses conhecimentos”. Aqui também necessitamos mudar nosso foco do externo para o interno, do aparente para o sutil.

Para o desenvolvimento das capacidades cognitivas existem novos recursos que a educação poderia incorporar hoje em dia, instrumentos que vão desde os exercícios de pensamento lateral De Bono e o treinamento da análise das pressuposições implícitas[2], até o pensamento dialético e a educação não-verbal de Feuerstein e outros. Quero destacar, não obstante, dois deles que, ainda não sendo novos, não devem por isso cair no esquecimento. Refiro-me em primeiro lugar às matemáticas. Esta é uma área de conteúdos de extraordinário valor na educação do raciocínio como tal, como bem sabiam os educadores do passado. Se aspiramos conseguir um equilíbrio entre os hemisférios direito e esquerdo do cérebro, temos que ter muito cuidado para não descartar as matemáticas como se se tratasse de um exercício acadêmico próprio do passado, tal como parece inclinada a pensar a nova cultura centrada no hemisfério direito. Em segundo lugar, refiro-me à música. Toda expressão criativa, através do meio que seja, pode ser considerada como um meio para desenvolver a intuição, porém entre todas elas, a música se sobressai, como de modo semelhante, entre todas as ciências sobressaem as matemáticas. A música, como disse, Polanyi, é “matemática sensível”, e pode fazer por nosso cérebro intuitivo o que as matemáticas podem fazer em favor do nosso cérebro racional. Neste aspecto, pode ser que tenhamos algo que aprender com os húngaros que, sob a direção de Zoltan Kodali, há algumas décadas, foram os pioneiros no campo da educação musical e na observação de seus benéficos efeitos sobre as crianças, com resultados mensuráveis quanto ao desenvolvimento de sua inteligência. Existem também outros recursos disponíveis neste sentido, dos quais poderiam tirar partido nossas escolas, tais como o sistema Orff e a Eurritmia de Dalcroze.

Outro aspecto de uma educação centrada no desenvolvimento da capacidade amorosa é o transpessoal ou espiritual. A metade do quanto podemos fazer neste aspecto consistiria em promover o desmoronamento do “ego”, ensinar a transcender o próprio caráter e oferecer ajuda para atravessar o processo de liberação dos obstáculos interiores. A outra metade deveria centrar-se no cultivo daquelas qualidades que constituem o objetivo de toda forma de meditação, pois é bem sabido, e assim o predicam todas as religiões, que o amor flui naturalmente da experiência mística.

Isto se enlaça com o tema da educação transpessoal, isto é, a educação deste aspecto da pessoa que está além do corpo, da mente e das emoções, e ao que tradicionalmente se dá o nome de “espírito”. Começarei por referir-me à questão controvertida de se a religião deve ou não ser ensinada em sala de aula. Houve um tempo em que a religião era uma matéria obrigatória. Logo, a educação secular reclamou sua independência frente à igreja, e isto supôs um passo avante no desenvolvimento da sociedade moderna. Porém uma coisa é tornar-se independente da autoridade de uma determinada hierarquia religiosa, e outra é o tema da educação espiritual. A vertente religiosa é um aspecto da natureza humana, e nenhuma educação pode pretender chamar-se holística se não a toma em consideração. O espírito de nossa época não se dispõe já com inculcar nenhum tipo de dogmas nem com atitudes individualistas: chegou a hora de um enfoque transistêmico e transcultural no campo do espírito. Como uma vez escutei dizer ao bispo Myers de San Francisco em uma reunião de prospectiva “Não podemos nos permitir menos do que nos tornarmos herdeiros do acervo cultural completo da humanidade”. O que necessitamos, obviamente, é uma “aula de religião” onde se apresente a essência dos ensinamentos espirituais do mundo inteiro e que enfatize a experiência universal comum que todas elas simbolizam, interpretam e cultivam de maneiras diferentes

Quero também tocar na questão de quando uma criança deve ser iniciada no ensinamento religioso. Existem certas práticas, dotadas de um significado espiritual em certo modo equivalente ao da meditação, que resultam  apropriadas para crianças pequenas, como são o contato com a natureza, as artes, o artesanato, a dança, o trabalho corporal, e, sobretudo, a narração de histórias e a fantasia dirigida. Não obstante, em minha opinião, a época ideal  para começar a educação espiritual explícita é na puberdade, e não antes, a menos que nos proponhamos a levar a cabo uma lavagem cerebral. As culturas primitivas que, como bem sabemos hoje, podem estar espiritualmente muito evoluídas, costumam introduzir seus membros nos símbolos e revelações de sua tradição por ocasião de um rito de iniciação na adolescência e na vida adulta. Antes disso, os assuntos religiosos são tratados como mistérios para os quais haverão oportunidades e guias adequados para quando for o momento. Creio que esta prática, muito propagada, encerra sabedoria, já que é na adolescência que surge a paixão pela compreensão metafísica, que converte muitos jovens em filósofos naturais. O que é mais importante: a adolescência marca o começo do anseio, o despertar da energia que move o buscador em seu caminho. Este é, portanto, o tempo biologicamente adequado para falar ao indivíduo em crescimento acerca da “viagem” e de seu objetivo, e acerca das ajudas, dos veículos, os instrumentos e os talismãs de que pode dispor.

É desnecessário dizer que uma autêntica educação espiritual não deveria limitar-se ao terreno teórico, pois os ensinamentos espirituais oferecem um contexto adequado para a prática. Se há de figurar no currículo uma “aula de religião”, esta deveria ser complementada por uma introdução vivencial às disciplinas espirituais, por uma espécie de “laboratório de religião” que incluiria uma introdução à meditação e outras práticas semelhantes, de modo que o indivíduo, ao deixar a escola, estaria dotado das ferramentas básicas necessárias ao seu próprio progresso espiritual na vida cotidiana.

Terá que transcorrer algum tempo antes de poder contar com indivíduos capazes de montar uma aprendizagem relativa às disciplinas espirituais baseada na experimentação e desenhada a partir da perspectiva transcultural e integral. Entretanto, a melhor opção pode ser oferecer aos estudantes um período de tempo durante o qual possam “provar” entre uma seleção das principais disciplinas espirituais concebidas de acordo com os elementos naturais e objetivos de todo ensinamento espiritual e com os aspectos do processo psíquico implicados nela. É claro, por exemplo, que uma forma natural de iniciar um programa semelhante poderia basear-se na prática da concentração, já que todas as formas de meditação, de culto e de reza descansam na capacidade de concentrar-se devidamente.

Mesmo que este tema, que é um dos meus campos de especialização, mereça um desenvolvimento muito mais extenso, basta-me dizer que as variedades existentes de esquemas de prática espiritual se reduzem, em minha opinião, a uma série de formas puras, ou a uma combinação, de um número limitado de “ações internas”, e creio que assim como a educação física requer exercitar as diferentes possibilidades de movimento do corpo, assim também deveríamos tratar de cultivar as diferentes “posturas psicológicas” que implica a experiência espiritual; com efeito, esta atitude ótima de consciência que todas as disciplinas espirituais perseguem como meta, acarreta um estado e umas experiências multifacetadas, que abarcam qualidades e sensações diversas como clareza, calma, liberdade, desapego, amor, sacralidade. E ainda que o cultivo de cada uma destas qualidades constitua por si um caminho, algo se poderia ganhar através de um enfoque integrativo que, acima do que cada uma delas representa, apontasse para o objetivo ao qual convergem.

Não obstante as razões de eficácia, um programa concebido com base na compreensão das dimensões subjacentes a qualquer tipo de prática espiritual teria a vantagem de conduzir à conciliação experimental de muitos paradoxos e acabar com a estreiteza mental que supõe discutir acerca de qual é o caminho “verdadeiro”. Outro fruto adicional seria a espontânea compreensão da essência de todas as tradições religiosas.

Desenvolvi até aqui minha visão acerca do que chamo uma educação integral, isto é, uma educação do corpo, das emoções, da mente e do espírito, que se baseia em uma contemplação equilibrada de seus diferentes aspectos, e que seja capaz de devolver ao mundo seres capazes de compreender tal visão e de servi-la com generosidade. Que podemos fazer em favor de tão nobre iniciativa?

Certamente, a questão decisiva é a expansão e difusão dessa forma de compreensão. Um maior progresso na compreensão por parte de todos é suscetível de conduzir a ulteriores desenvolvimentos, mais criativos que os produzidos até o momento no seio do ensino privado, e isso já é algo.

Porém o passo seguinte para converter o sonho em realidade reside, não obstante, na educação dos educadores.

Isto muitos educadores já vêm fazendo por si mesmos, guiados por um afã de crescimento próprio e amor por sua profissão procurando novas experiências e informações necessárias através de distintas formas de educação contínua e autodirigidas. É de se esperar, contudo, que dentro de não muito tempo os próprios centros de formação de educadores possam haver assimilado suficientemente a forma holística de compreensão a que nos referimos, de maneira que no momento de deixar a universidade os professores tenham desenvolvido, junto com a maturidade e profundidade necessárias, a perspectiva e a série de habilidades que requer uma educação integral.

À expansão e maturidade da consciência na população, e de um modo especial entre os profissionais, seguirá de um modo natural a reforma do sistema educativo oficial: a revolução de hoje é o “establishment” de amanhã. As instituições sociais possuem sua própria inércia característica, e o crescimento tem lugar como resultado de ultrapassar tal inércia através da visão prospectiva: “O poder domesticador do pequeno”, na linguagem do I Ching. O establishment educativo mereceu ser comparado, por sua inércia, com um elefante branco, e os serviços que presta resultam obsoletos e irrelevantes até um ponto completamente injustificável.
A indisciplina escolar, não me resta dúvida, é neste sentido um fenômeno reativo, uma espécie de greve contra a inutilidade, uma súplica em prol de uma educação que seja relevante para os tempos críticos e os problemas reais que devemos enfrentar, uma educação que realmente possamos considerar sábia e que verdadeiramente nos ajude a sermos melhores.

Confio ter transmitido, através do que precede, uma certa consciência acerca da negatividade e irrelevância do nosso atual sistema educativo, patriarcal e anti-holístico com respeito à situação humana real de hoje em dia, e espero haver deixado claro que este é um tema que requer uma urgente atenção. Nossa educação é tão absurda como potencialmente “salvadora”. É absurda até o ponto de que muitos chegaram a falar de desmantelar as escolas como solução mais adequada (Ivan Illich via no desmantelamento das escolas o passo fundamental para a grande liberação necessária frente ao autoritarismo em geral). Muitos pensam que a educação atual não só deixou de cumprir com sua função, mas inclusive, por omissão nos prejudicou. Ao dizer isto me vem a imagem de um cartaz que  apresentasse a foto de um grupo de crianças cheios de vida, ao lado de outras pessoas em um ônibus, com cara de robôs e expressão aborrecida, e uma frase embaixo que dissesse: “O que aconteceu?”. Na hora de encontrar resposta para este processo de adormecimento, de embotamento das faculdades humanas, não cabe dúvida de que haveríamos de aplaudir à intervenção de um processo educativo como o atual, tão oposto ao que com ele se deveria tratar de conseguir.

A situação global que atravessamos me faz considerar “urgente”, e não somente importante, encontrar uma solução para este problema, já que, apesar de que a crise que padecemos é conseqüência do fracasso de nossos planos nas relações humanas, estamos descuidando totalmente da aprendizagem da dimensão transpessoal no âmbito educativo.

Depois de ter circulado durante muitos anos a expressão “problemática mundial”, como referência ao grande macroproblema que engloba todos os problemas que escapam à capacidade de encontrar soluções dos especialistas isolados, Alexander King, co-fundador do Clube de Roma, alcunhou em seu livro A Primeira Revolução Mundial, recentemente publicada, a nova expressão “resolútica”, como contrapartida daquela, e em sua proposta de uma via complexa de saída para
a situação, destaca junto à da tecnologia, a importância da educação. Segundo ele, a educação deveria compreender os seguintes objetivos:

-Adquirir conhecimentos;
-Estruturar a inteligência e desenvolver as faculdades  críticas;
-Desenvolver o conhecimento de si mesmo e a consciência das próprias qualidades e limitações;
-Aprender a vencer os impulsos indesejáveis e o comportamento destrutivo;
-Despertar permanentemente as faculdades criativas e imaginativas da pessoa;
-Aprender a desempenhar um papel responsável na vida da sociedade;
-Aprender a comunicar-se com os demais;
-Ajudar as pessoas a se adaptarem e a se prepararem para a mudança;
-Permitir a cada pessoa a aquisição de uma concepção global do mundo;
-Formar pessoas para que possam ser operativas e capazes de resolver problemas[3]”.

Pessoalmente celebro e compartilho das afirmações de King, porém sinto, não obstante, que em sua linguagem de pura objetividade tomado do mundo da economia, da política e da engenharia, perde-se algo vital substancial: parece-me significativa a ausência de palavras como
“amor” e “compaixão”. São palavras que nosso mundo, baseado no desenvolvimento do hemisfério cerebral esquerdo, considera implicitamente proibidas, de um modo semelhante a como entre os personagens replicados do Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley se considerava de mau gosto falar da incubadora.

Quero agora me referir ao fato de que uma das razões por que não se avançou mais até agora, nem sequer na formulação desses objetivos adicionais que a educação deveria perseguir, é a implícita convicção de que tentar consegui-los resultaria em um excesso de custos. Parece natural pensar que uma mudança tão radical em torno dos objetivos da educação – e não digamos nada quanto aos meios a serem empregados para isto – teria que supor a correspondente relevância no pessoal encarregado de levá-lo a efeito.

Todavia, acredito que o problema não é tão insolúvel como parece. A chave definitiva, certamente, se apoiaria em um modelo diferente de formação dos educadores, que atualmente recebem um excesso de bagagem intelectual e uma insuficiente educação emocional e espiritual. Por exemplo, no campo da psicologia se ensina muito a respeito de condutismo porém nada que realmente ajude a mudar as pessoas; quer dizer, aprende-se a mudar comportamentos concretos, porém muito pouco a mudar a forma de vida. Por quê? Porque o condutismo é científico, e como tal só se ocupa do que pode ser medido.

Uma vez um de meus professores na Faculdade de Medicina, Ignacio Matte-Balnco, psicanalista chileno emigrado à Itália há muitos anos, contou-me de um amigo seu que havia desejado estudar medicina porque lhe atraía como vocação ocupar-se do ser humano, compreender a mente humana. Com o tempo chegou a dar-se conta do quão impossível era pretender construir uma autêntica ciência da mente e, por fim, dedicou sua vida ao estudo da transmissão dos impulsos nervosos e a polarização da membrana do eixo neuronal do calamar. Creio que a todos nós aconteceu algo assim: que por sermos científicos limitamos o campo de nossos interesses ao que a ciência pode abarcar e medir, ficando assim presos em um dos jogos patriarcais, o cientificismo, que não é, certamente, o mesmo que a ciência, mas apenas uma caricatura do espírito científico.

Trago para a discussão o tema da economia a este respeito, porque estou convencido de que essa necessária mudança de orientação da educação é possível, está facilmente ao nosso alcance e seria muito menos custoso do que podemos imaginar. Só contando com o suficiente grau de consciência, seria uma revolução tão alcançável como o simples gesto de girar um interruptor. Basta fazer uma analogia com a Revolução Francesa, onde uma mudança radical de orientação na educação (de uma visão humanista para uma concepção científica) pode ser levada a efeito só porque houve um governo forte que decidiu fazê-la. “Bem, – disseram as autoridades –vamos atrair os cientistas para as escolas”. As pessoas que entendiam de ciência eram aqueles que andavam metidos nos laboratórios, como Lavoisier e seus discípulos. Era a época do nascimento da ciência e foram atraídos para as escolas, para ensinar, pessoas que não tinham experiência pedagógica, mas que tinham muito a comunicar.

Acredito que agora se deveria fazer algo semelhante: dar um espaço limitado para as matérias que atualmente formam o currículo (na realidade, a maior parte do quanto aprendemos, aprendemos fora do meio escolar), condensar boa parte do que hoje em dia se faz nas escolas, e dar espaço para pessoas que estiveram se ocupando de seu próprio e mais elevado desenvolvimento interior, gente envolvida no crescente movimento experiencial terapêutico e espiritual que floresce ao nosso redor. Estas duplas vertentes de busca, psicológica e espiritual, respondem à sede de respostas despertada no homem na mesma medida em que a cultura – esta nossa cultura patriarcal, não só já obsoleta e em crise, mas agonizante – deixou de dá-las. Já Nietzsche, proclamou que Deus estava morto, porém referia-se na realidade à imagem que as pessoas faziam de Deus em suas mentes; essa imagem, tão ligada à mentalidade patriarcal, sim, morreu. Para que renasça o espírito é necessário falar outros idiomas, abrir-se de novo para a sede e deixar de sentir-se alheios a esta reocupação tão humana. E isto está ocorrendo à nossa volta nestes tempos. De um modo especialmente genuíno, esta busca e esta preocupação foi caracterizando os diversos grupos e tendências englobados no seio da Psicologia Humanista, nascida nos Estados Unidos como “Movimento das Potencialidades Humanas” nos anos sessenta, e desenvolvida mais tarde sob o nome de Psicologia transpessoal, que bem poderia ser considerada um novo xamanismo emergente. Trata-se de um processo  contagioso o que transborda por sua própria dinâmica o marco do acadêmico, mais além de sua inegável e vigorosa capacidade de fecundá-lo. Creio que dentro desse  movimento geral caberia recrutar um número suficiente de educadores psicoespirituais e as instituições educativas teriam que lhes dar espaço desde já em seu seio, mesmo em caráter experimental e complementar. Isto inicialmente, já que a mudança ideal e definitiva haveria de requerer, como é lógica, uma nova educação dos educadores: a vida só procede da vida, e a maturidade somente de pessoas que por sua vez já amadureceram, sobretudo quando o que se trata de transmitir é uma formação integral e estritamente humana.

O que se acha de menos nas escolas de formação de educadores hoje em dia é a capacidade de dotar os professores e mestres de toda série de habilidades e conhecimentos no âmbito terapêutico e no espiritual,  quando, em minha opinião, seria relativamente pouco custoso incluir estes ensinamentos nos programas respectivos. Digo isto baseado em minha própria experiência, já que eu mesmo levei a cabo programas de formação semelhantes, se bem que diretamente dirigidos a terapeutas e não tanto a educadores. Penso que através de programas intensivos e breves que não requerem um tempo excessivo, seria possível oferecer uma ajuda eficaz a professores que se sentem “queimados”, aborrecidos, incapazes de se relacionarem de verdade com seus alunos, desmotivados e condenados a continuar fazendo algo em que deixaram de acreditar, sem nenhuma saída para esta situação.

Freqüentemente tive oportunidade de falar deste tema diante de auditórios escolhidos e especializados e sempre captei neles uma ressonância que me dá motivos para sentir-me otimista quanto à difusão e propagação do conteúdo e das idéias precedentes. Entre estas ocasiões, duas foram especialmente significativas.

Uma teve lugar no II Congresso Holístico Internacional, celebrado em Belo Horizonte, em 1991, onde o auditório aprovou por unanimidade uma moção de recomendação para a UNESCO no sentido de levar em conta a urgência de incorporar os fatores emocional e espiritual na educação.

A segunda foi no Simpósio Internacional sobre o Homem, celebrado em Toledo, Espanha, também em 1991, no curso do qual realizei uma pequena enquete entre os componentes do auditório que assistia minha conferência. Quase a metade eram educadores e, também nesta ocasião, a resposta foi completamente unânime no sentido de apoiar minha proposta em favor de uma educação mais holística, que deveria nutrir-se dos aportes da “Revolução da Consciência” e do movimento humanístico em geral, e que privilegiasse o aspecto afetivo e o crescimento espiritual dos educandos.




[1] No Limits to Learning: Bridging the Human Gap, James W. Botkin, Mahdi Elmandjara & Mircea
Maletza, Pergamon Press, 1979.
[2] Cfr., por exemplo, o livro de Abercromlie, Anatomy of Thinking, e o de Mayfield, Thinking for yourself.
[3] The First World Revolution de Alexander King y Bertrand Schneider.