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segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

A educação e o significado da vida - Parte 1


 KRISHNAMURTI

Quem viaja pelo mundo pode notar a extraordinária semelhança de natureza humana, seja na Índia, seja na America, na Europa ou Austrália. Isto se verifica principalmente nos colégios e nas universidades. Estamos como que fabricando, segundo um modelo, um tipo de ser humano cujo principal interesse é procurar a segurança, tornar-se uma pessoa importante, ou viver deleitávelmente e com o mínimo possível de reflexão.
 A educação convencional dificulta sobremodo o pensar independente.

A padronização do homem conduz a mediocridade.

Ser diferente do grupo ou resistir ao ambiente não é fácil e não raro é arriscado, porque adoramos o bom êxito. O esforço empregado para obter sucesso, que é o desejo de recompensa, seja na esfera material, seja espiritual, a busca de segurança interior ou exterior, o desejo de conforto – tudo isso representa um modo de agir que abafa o descontentamento, Poe termo a espontaneidade, gera temor e este impede a compreensão inteligente da vida. Com o avanças da idade, a mente e o coração vão-se embotando cada vez mais.

Procurando conforto[1] encontramos em geral, um cantinho sossegado na vida, onde podemos viver com o mínimo conflito possível, e não ousamos mais dar um passo sequer para sair deste isolamento. Este medo à vida, este medo à luta e a experiência nova, mata em nós o espírito de aventura; por causa de nossa criação e educação, temos medo de ser diferentes do nosso próximo, tememos pensar em desacordo com o padrão social vigente,, num falso respeito à autoridade e a tradição.
Felizmente algumas pessoas se interessam com sinceridade pelo exame dos problemas humanos, livres de preconceitos da esquerda ou da direita; mas a grande maioria dentre nós não tem o verdadeiro espírito de descontentamento, de revolta. Quando nos submetemos ao ambiente, sem compreendê-lo, todo espírito de revolta que acaso possuímos esmorece e nossas responsabilidades em breve tempo o apagam definitivamente.

Há duas espécies de revolta: a revolta violenta, que é uma reação, sem inteligência, contra a ordem vigente, e a profunda revolta psicológica da inteligência. Muitos se revoltam contra velhas ortodoxias só para caírem em outras novas ilusões e secretas concessões aos próprios apetites. O que em geral acontece é que nos desligamos de um grupo ou conjunto de ideais e ingressamos noutro grupo, adotamos outros ideais, criando novo padrão de pensamento contra o qual nos revoltamos outra vez. Toda reação gera oposição, e toda reforma cria a necessidade de novas reformas.

Há, porem, uma revolta inteligente, que, não sendo reação, nasce com o autoconhecimento, com o percebimento do nosso próprio pensar e sentir. Só quando enfrentamos a experiência tal como se apresenta, quando não evitamos perturbações, é que podemos manter a inteligência altamente desperta; e a inteligência altamente desperta é intuição – o único guia seguro na vida.

Qual é pois, a significação da vida? Para que vivemos e lutamos? Se somos educados apenas para nos transformar pessoas eminentes, para conseguirmos melhores empregos, para sermos mais eficientes, para exercermos domínio mais amplo sobre os outros, em tal caso nossas vidas serão superficiais e vazias. Se formos educados apenas, para sermos cientistas, eruditos casados com seus livros, ou especialistas devotados a ciência, estaremos então contribuindo para a destruição e a desgraça do mundo.

Se a vida tem um significado mais amplo, que valor tem nossa educação e nunca descobrimos esse significado? Podemos ser superiormente cultos; se nos falta, porém, a profunda integração do pensamento e do sentimento, nossas vidas são incompletas, contraditórias e cheia de temores torturantes; e , enquanto a educação não abranger o sentido integral da vida, bem pouco significará.

A civilização atual divide a vida em tantos compartimentos que a educação – excetuando-se o ensino de uma profissão ou técnica determinada – tem muito pouco valor. Em vez de despertar a inteligência integral do indivíduo, a educação o induz a adaptar-se a um padrão, vedando-lhe assim a compreensão de si mesmo como um processo total. Procurar resolver os numerosos problemas da existência nos seus níveis respectivos – classificados como estão (os problemas) em diferentes categorias – denota uma total ausência de compreensão.
O indivíduo é constituído de várias entidades, mas o realçar as diferenças e ao mesmo tempo favorecer a produção de um tipo definido leva a resultados complexos e a contradições. À educação compete promover a integração dessas entidades separadas – visto como, sem integração, a vida se transforma numa série de conflitos e tribulações. Para quê formar advogados se perpetuamos os litígios? Que valor tem o saber, se continuamos em nossa confusão? Qual o significado da capacidade técnica e industrial, se a utilizamos para nos destruirmos mutuamente?

Qual a finalidade da existência, se ela leva a violência e a desdita extrema? Conquanto tenhamos dinheiro ou sejamos capazes de ganhá-lo, apesar de termos prazeres e religiões organizadas, vivemos num conflito interminável.

Cumpre distinguir entre “pessoal” e “individual”. O pessoal é acidental; por acidental entendo as circunstancias de origem, ou ambiente em que fomos criados, com seu nacionalismo, suas superstições, distinções e preconceitos de classe.

O pessoal ou acidental é só momentâneo, ainda que esse momentâneo dure a vida inteira; e como o atual sistema de educação se baseia no pessoal, no acidental, no momentâneo, só conduz a perversão do pensamento e a implantação de temores defensivos.

Somos todos preparados pela educação e o ambiente para a busca de proventos e segurança pessoal, para lutarmos em nosso próprio interesse. Embora costumemos dissimulá-lo com frases amenas, fomos educados para várias profissões dentro de um sistema que se funda na exploração e no temor com sua concomitante avidez. Tal educação acarretará inevitavelmente, confusão e tribulações para nós e para o mundo, pois cria em cada indivíduo aquelas barreiras psicológicas que o separam e o matem isolado dos outros.

A educação não é uma simples questão de exercitar a mente. O exercício leva a eficiência, mas não produz a integração.  A mente que foi apenas exercitada é o prolongamento do passado, nunca pode descobrir o que é novo.
Eis porque, que para averiguarmos o que é educação correta, cumpre-nos investigar o total significado do viver.

Para a maioria das pessoas o significado da vida como um todo não é altamente relevante, e nossa educação encarece os valores secundários, fazendo-nos apenas proficiente num determinado ramo do saber.
Ainda que necessários o saber e a eficiência, se lhes atribuímos importância demasiada, somos levados ao conflito e a confusão.

Há uma eficiência inspirada pelo amor, que leva muito mais longe, que é superior a eficiência da ambição; e sem o amor que traz compreensão integral da vida, a eficiência gera crueldade. Não é isso exatamente o que ora acontece no mundo inteiro?

A educação atual está aparelhada para a industrialização e a guerra, e desenvolver a eficiência é seu alvo principal; estamos dentro da engrenagem desta maquina de competição impiedosa e destruição mútua. Se a educação conduz a guerra, se nos ensina a destruir ou ser destruídos, não falhou completamente?

Para instituirmos a educação correta, é indispensável compreender o significado da vida como um todo, e para tal, devemos ser capazes de pensar, não rigidamente, mas de maneira direta e verdadeira.
Um pensador inflexível não tem pensar próprio, porque se ajusta a um padrão; repete frases e pensa dentro de uma rotina. Não se pode compreender a existência de forma abstrata ou teórica. Compreender a vida é compreender a nós mesmos; este é o princípio e o fim da educação.

Educação não significa, apenas, adquirir conhecimentos, coligir e correlacionar fatos; é compreender o significado  da vida como um todo. Mas o todo não pode ser alcançado pela parte – como estão tentando fazer os governos, as religiões organizadas e  os partidos autoritários.

A função da educação é criar entes humanos integrados e, por conseguinte, inteligentes. Podemos tirar diplomas e ser mecanicamente eficientes sem ser inteligentes. A inteligência não é mera cultura intelectual; não provem de livros, nem consiste em jeitosas reações defensivas e asserções arrogantes. O homem que não estudou pode ser mais inteligente do que o erudito. Fizemos de exames e diplomas critério de inteligência e desenvolvemos espíritos sagazes que evitam os problemas humanos vitais. Inteligência é a capacidade de perceber o essencial, o que é; despertar essa capacidade, em si próprio e nos outros, eis em que se resume a educação.

A educação deve ajudar-nos a descobrir valores perenes, para que não nos apeguemos a formulas ou a repetição de slogans[2]; deve ajudar-nos a derrubar as barreiras nacionais e sociais, em lugar de reforçá-las, porquanto essas barreiras geram antagonismos entre homem e homem. Infelizmente, o nosso atual sistema de educação nos torna subserviente, mecânicos e fundamentalmente incapazes de pensar; embora desperte nosso intelecto, deixa-nos interiormente incompletos, estultificados e estéreis.

Sem uma integral compreensão da vida, os nossos problemas individuais e coletivos só tenderão a crescer em profundidade e extensão. Não visa a educação a produzir meros letrados, técnicos e caçadores de empregos, mas homens e mulheres integrados livres de todo o temor.
Porque só entre tais entes humanos pode haver paz duradoura.

A compreensão de nós mesmos extingue o medo. Para pelejar com a vida, de momento em momento, enfrentar suas complicações, tribulações e imprevistos, deve o indivíduo ser infinitamente flexível e, portanto, livre de teorias e de certos padrões de pensamento.

Não deve a educação estimular o indivíduo a adaptar-se à sociedade ou a manter-se negativamente em harmonia com ela, mas ajudá-lo a descobrir os valores verdadeiros, que surgem com a investigação livre de preconceitos e com o autopercebimento. Não havendo autoconhecimento, a expressão individual se transforma em arrogância com todos os seus conflitos agressivos e ambiciosos. A educação deve despertar no indivíduo a capacidade de estar cônscio de si próprio, e não apenas deixá-lo comprazer-se na agressão individual.

Que benefícios traz a instrução, se no decorrer da vida nos destruímos? A série de guerras devastadoras, que temos tido, uma após outra, evidencia uma falha fundamental na educação que proporcionamos a nossos filhos. Quase todos nós, creio, estamos cônscios disso, mas não sabemos como atender o problema.

Os sistemas, quer educativos, quer políticos, não se transformam miraculosamente; só se modificam quando há em nós uma transformação fundamental. O indivíduo é de primordial importância e não o sistema; e, enquanto o indivíduo não compreender o processo total de si mesmo, nenhum sistema, seja da direita, seja da esquerda, trará ordem e paz ao mundo.

Fim da primeira parte.
Segunda parte: A Educação Correta.



[1] Conforto não no setido de comodidade material, mas como efeito de “confortar”: das forças e esperança. (NT)
[2] “Slogan” -  Palavra ou frase associada, pelo uso a um partido, grupo, etc. (Dic. Webster). (N. do T.)