Total de visualizações de página

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Liderança no Século XXI

Roberto Crema

E há aqueles que dão o que são, os grandes mestres, os grandes lideres, e a humanidade nos ofereceu o testemunho de seres humanos plenos que nos convocam a subir nossa própria montanha.

A respeito da liderança, creio que há três níveis em nossa evolução natural para colocar a semente da mestria em cada um de nós.

O primeiro nível: o líder centrado na teoria, na ideologia e na técnica. Esta é a infância de nosso processo para amadurecer a própria semente deste potencial humano. Para que a partir do ensaio-e-erro estudemos os antigos que nos antecederam na busca. Então, aprendemos técnicas, teorias e nelas nos centramos, o que nos traz um pouco de segurança em nossas incertezas. Adotamos verdades que não são nossas e fazemos disso uma bóia. Como aquela pessoa que está a caminhando e depara que há um rio. Há uma canoa a seu lado, desconhece a profundidade do rio e suas quedas. Qual é a atitude sensata? Usar a canoa ou arriscar-se nadando? Usar a canoa, evidentemente. Não foi ela que a construiu porem, está ali disponível. Agora, quando termina a travessia do rio de sua própria insegurança e imaturidade, imagine esta pessoa olhando para a canoa e dizendo: “Sem isto não sou nada!”

Esta imagem pode bem representar este tipo de líder e isto é o que nos traz este drama da esclerose metodológica e psíquica.

O líder centrado, fixado em uma ideologia ou sistema, seja qual for, [....] um líder que recita uma ideologia e quer ser fiel apenas a ela. São lideres restritos, porque permanecem seguindo trilhas e perdem os caminhos; morre o criador e vegeta a criatura, não há inovação nem criatividade. Também são lideres que tratam os outros como números ou políticos centrados em uma técnica ou teoria que se torna antiquada.

O segundo nível: o líder centrado na pessoa: o facilitador afinado com o processo. No entanto, alguns vão contra a corrente; alguns são suficientemente aventureiros. É o que necessitamos: risco. Uma criança conversava com outra e lhe dizia: “Quando crescer serei um profeta, vou falar de coisas que ninguém vai querer ouvir”. O outro, intrigado lhe perguntou: “então por que queres ser um profeta se ninguém vai querer ouvir-te?” O primeiro respondeu: “É o que nós os profetas somos, muito aventureiros!” Sem risco, você jamais virará esta página; é necessário a disciplina, a busca. No entanto, se vais mais longe; entrará em outra qualidade de liderança que denomino de líder centrado na pessoa, no problema, no aqui e agora.

Este é um líder disposto a lançar fora suas tecnologias, suas metodologias na lixeira, caso estejam interferindo em sua relação com a realidade viva, que não tem direção certa, a realidade sempre mutante, o inusitado ao instante. Para estar afinado com o processo da realidade, você precisa sempre ser mutante! Este líder é capaz de iluminar um auditório. Um grande profeta deste tipo de liderança foi Carl Rogers, que partia do princípio de que todo ser humano tem uma tendência ao auto-desenvolvimento, auto-realização e auto-regulação, bastando para isso, que haja um terreno fértil. É aqui onde se coloca a palavra nova: o facilitador. Você facilita propiciando um terreno fértil onde cada um possa tornar-se o que é e aqui o líder se encontra em sua maturidade.

Há um momento em que se voce olha bem nos olhos de um ser huamano e se você abre ainda mais seu escutar, você vai se dar conta de que o ser humano é mais que um ser humano. Se você olha bem a pessoa e de fato a escuta, em algum momento vai se dar conta do Grande Mistério; em algum momento vai encontrar aquelas palavras de Teilhard de Chardin: “O ser humano é o sacerdote da Criação. É o espaço onde o próprio Universo pode aprender a conhecer-se, pode aprender a amar-se”. Portanto, é necessário virar esta página também e muito já se caminhou para chegar até aqui, é um itinerário de realização que começa sempre com o primeiro passo: inclinar o coração para aprender.

O terceiro nível: o líder holocentrado, o facilitador conectado a corrente universal. O terceiro nível, que inclui os anteriores, pode ser chamado de excelência: a liderança holocentrada. Este sujeito é aquele que se conectou, se religou a totalidade, dando-se conta de que não esta dissociado da sociedade, do ambiente, do universo, do Grande Mistério. É o líder que escuta as sincronicidades: se torna como os antigos, a escutar o raio, a escutar o som dos eventos que se conectam em cada unidade, sempre a partir de uma unidade indissociável, isto é que é sincronicidade. É o que Jung juntamente com Pauli, um representante da física quântica, chamava princípio de conexões acausais, que alguns vão chamá-las transcausais. O domínio das coincidências significativas quando os eventos se conectam pelo significado e não pela causa. Nós existimos numa unidade de eventos; não estamos separados dessas cadeiras, dos seres humanos que nos cercam, das maquininhas e de tudo o que nos envolve. Portanto, quando você faz uma pergunta, você pode acionar uma resposta implícita no mistério da totalidade e isso é sincronicidade, um conceito já clássico, sustentado numa reflexão científica. É um líder que está, numa só palavra, 'ligado': ele está ligado à tomada universal; é um líder que conectou os seus dois hemisférios cerebrais: o hemisfério racional, científico, tecnológico com o hemisfério poético, místico, da comunhão; o hemisfério analítico com o hemisfério sintético; o hemisfério esquerdo, com o hemisfério direito: as duas asas que um pássaro necessita para voar, as duas pernas que um ser humano necessita para empreender uma viagem com coração. Metaforicamente, podemos falar que é um líder centrado no corpo caloso, milhões de neurônios que conectam os dois hemisférios cerebrais, religando-os.

A holística não é nem analítica, nem sintética; a holística não é nem científica, nem espiritual; a holística implica uma comunhão, uma sinergia entre essas duas naturezas e duas formas de apreensão do real. Como diz Capra, 'A ciência não precisa da espiritualidade, pois tem o seu caminho próprio, é o caminho analítico; a espiritualidade não precisa da ciência, pois tem o seu caminho próprio, o sintético, o intuitivo. Mas o ser humano necessita de ambos. ' O corpo caloso, que gosto de metaforizar como o chifre do unicórnio, que os antigos denominavam de terceira visão, é o substrato neurológico da liderança holocentrada. Portanto, esse é um líder na sua excelência, é um líder que ousou resgatar as suas asas sem perder as suas raízes, é um líder que pode dizer com o poeta:

'Goza a euforia do vôo do anjo perdido em ti. Não indague se nossas estradas, tempo e vento desabam no abismo. Que sabes tu do fim? Se temes que teu mistério seja uma noite, enche-o de estrelas. No deslumbramento da ascensão, se pressentires que amanhã estarás mudo, esgota, como um pássaro, as canções que tens na garganta. Canta, canta. Talvez as canções adormeçam a fera que espera devorar o pássaro. Desde que nasceste não és mais que o vôo no tempo rumo aos céu? Que importa a rota! Voa e canta enquanto existirem as asas' (Menotti del Picchia).

Portanto, era isso que eu queria trazer como a essência dessa mensagem. Há um líder de todos os líderes, o Grande Gurú, que é a essência. Quando você se deixa guiar por essa essência, é quando você se faz um líder na sua excelência e plenitude. Então você poderá assumir a autoria de seus passos e não será mais uma folha levada pelo vento. Esse é um potencial que todos nós possuímos, e não se trata de desenvolver a espiritualidade, que já está pronta. Trata-se de desenvolver a nossa dimensão corporal, ou seja, escutar, atender ao telefone da doença, da crise, que nos convoca. Aprender o sentido dos nossos passos. Trata-se de trabalhar com a psique, introduzindo qualidade em nossa alma e, também, qualidade na dimensão noética. Assim o sol da essência vai se manifestar, naturalmente. Você já deve ter ouvido em certos dias cinzentos a expressão: 'Hoje não tem sol!' É verdade? Haverá um dia em que não há sol? Não, a verdade é que hoje tem nuvens! A nuvem da ignorância existencial é aquela que nos mantêm atados a uma corrente e a uma prisão, aquela que nos tira o sabor da aventura e o gosto da liberdade.

Esse líder se manifesta através da amorosidade. É preciso ousar dizer que o espírito é amor; o espírito se manifesta através do amor. Se não houver amor então, para quê viver? Portanto, o amor está no início, está no meio e está no fim. Nós estamos aqui para aprender a amar - e todo o resto é bobagem. Na medida em que você aprende a amar, você faz doação, você aprende a doar. Alguns dão do que têm, outros dão do que sabem. E há aqueles que dão do que são: são os grandes mestres, são os grandes líderes e a humanidade sempre nos ofereceu o testemunho de seres humanos plenos que nos convocam a subir a nossa própria montanha.

Quero concluir com uma oração criada por um poeta espanhol, Jimenez, quando viveu um tempo muito depressivo e sentiu que sua alma estava sendo roubada. Então ele subiu numa montanha, nos Pirineus, e lá ficou durante um mês em retiro. Quando desceu, ele tinha uma intenção sagrada que passou a ser sua oração e que diz:

'Eu não sou eu, eu sou alguém que caminha ao meu lado. Que permanece em silêncio quando estou falando. Que perdoa e esquece quando estou irado, esbravejando. Que segue sereno quando estou aflito, sofrendo. E que estará de pé quando eu estiver morrendo. '

Eu não sou eu, eu sou alguém que caminha ao meu lado. E por esse Alguém, vale a pena conspirar.

Fonte: Este artigo pertence ao livro “Consciência Índigo: Futuro Presente” acrescido de parágrafos do artigo publicado no site: http://www.orion.med.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=245%3Apassagemdomilenio1&catid=40%3Afilosofia&Itemid=184&limitstart=4